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NOTÍCIA

Construção de usinas

Planejamento deve incluir possíveis erros e imprevistos

Processo envolve diferentes áreas do conhecimento, com destaque para as engenharias

Quem visita uma unidade industrial de produção de etanol e açúcar e tem a oportunidade de acompanhar de perto rotinas como processamento de cana, análise de matéria-prima, recepção e descarga, turbinas e caldeiras em funcionamento, geração de vapor, tratamento de caldo e Centros de Operações Integradas (COIs) atuando para conexão das áreas de processo, industrial, operação e manutenção não deve imaginar como é trabalhoso  construir uma usina, implantar toda a infraestutruta e colocar tudo para funcionar sem riscos e com produtividade.

Somente no processo de execução da obra e estruturação da unidade são, em média, 18 meses ininterruptos de trabalho. Para que a usina consiga atuar com 30% a 50% de sua capacidade total, o prazo é ainda maior, de 24 a 30 meses. Isso sem falar nas etapas anteriores, já que não se constrói uma unidade industrial assim, de repente. É preciso estruturar um planejamento que envolva diferentes áreas – engenharias civil, elétrica, ambiental, mecânica, agrícola, química, agrária, logística, de produção, biotecnologia, mercadológica, arquitetura etc – e que contemple desde o regime pluviométrico da região, a capacidade produtiva esperada e até conhecimento sobre fornecedores locais da matéria-prima.

construção de usinasO investimento industrial de construção de uma usina de médio a grande porte pode variar entre R$ 250 milhões a R$ 800 milhões, para capacidade de 1 milhão a 4 milhões de toneladas de cana-de- açúcar processadas por safra. A estrutura necessária para a implantação é similar a requerida por um projeto agropecuário, acrescido da estrutura para construir uma planta química de médio porte. Com a experiência de 24 usinas já construídas no Brasil, a Raízen adota todos os procedimentos e entende que, para ter êxito com a planta industrial, o passo inicial – e fundamental – é elaborar um projeto ou plano diretor agrícola eficaz. Segundo o gerente Agroindustrial da Unidade da Raízen, em Jataí (GO), Walter Ventura Ferreira Júnior, nada se faz sem um excelente planejamento, que contenha detalhes da obra, e inclusive possíveis erros e imprevistos que venham acontecer. “Não é só escolher a área, contratar a empresa para executar a obra e começar a erguer a estrutura”, enfatiza.

Walter lista que no plano da empresa para construção de usinas são observadas disponibilidade de áreas, regime pluviométrico, análise de solos (fertilidade), planialtimetria (inclinação da área), georreferenciamento, agricultura de precisão, irrigação – disponibilidade de água x distância x custos –, programa varietal, prospecção de áreas para produção de cana (próprias e fornecedores) e outras avaliações e providências. “Especificamente na área industrial, o projeto ou plano diretor deverá avaliar, antes de tudo, local ideal, que preferencialmente deve ser o ponto mais alto, facilitando o escoamento da vinhaça por gravidade ou ainda economizando na potência de motores instalados, direção predominante do vento, logística de acesso para transporte da matéria-prima e produtos acabados, disponibilidade de água para captação, condições do terreno no que se refere a relevo, formação geológica, avaliação arqueológica e aquisição de licenças e programas ambientais, além da aprovação do projeto”, revela.

Cuidado: em obras

Com projeto aprovado e documentação necessária em mãos, o processo entra na fase de estruturação do canteiro, ou seja, da construção da obra física. Assim como as anteriores, trata-se de uma etapa complexa e que exige cuidados e atenção redobrada com os processos.

São vários profissionais envolvidos, de diferentes áreas, que trabalham diariamente na terraplanagem, estaqueamento, construção de bases, levantamento de prédios e no manuseio de material pesado. Segundo Walter, o canteiro de obras para a construção de uma unidade industrial chega a receber 30 profissionais, entre engenheiros, projetistas e técnicos, fora trabalhadores como pedreiros, eletricistas, entre outros, que elevam para 400 pessoas o número de colaboradores na obra. Ele orienta que, junto à fase de erguer o alicerce da planta industrial, são adotados procedimentos integrados para infraestrutura de água, energia elétrica, restaurantes, ambulatório, segurança, almoxarifados, dimensionamento, avaliação, compra dos serviços e equipamentos, gerenciamento financeiro, gerenciamento das várias especialidades (mecânica, civil, etc.), gerenciamento de cronograma, gerenciamento de destinação de resíduos, gerenciamento de Saúde, Segurança e Meio Ambiente (SSMA).

O trabalho de construção exige ainda integração entre áreas da engenharia, administrativa, agrícola, entre outras, para que a obra não ‘corra’ o risco, literal, de desmoronar. O Gerenciamento de Processo e a Engenharia Conceitual, por exemplo, avaliam a melhor tecnologia (relação performance x custos), além de dimensionar e especificar os equipamentos e periféricos do parque industrial. Já a Engenharia de Suprimentos é responsável pela aquisição desses equipamentos e periféricos, e a contratação de serviços. O Departamento de Administração de Contratos gerencia custos, prazos de entrega e cronograma de realização.

A área de Engenharia Civil atua na avaliação da estrutura do solo e de quais técnicas devem ser usadas, verificando situação local, custos, prazos, etc., enquanto a Mecânica acompanha toda montagem, caldeiraria, soldagem, instalação de equipamentos, ensaios e testes como raios X, nível, alinhamento, lubrificação, hibernação, ajustes, comissionamento, start-up (início), etc. Existem também as engenharias Elétrica e de Automação, que exercem papel fundamental no gerenciamento e acompanhamento da especificação, montagem, comissionamento  e star-up da planta. Por último, o conhecido ‘Underground’, que é a infraestrutura, realizando a terraplanagem, instalação de galerias, asfaltamento e demais itens de urbanização.

construção de usinasTecnologias

As inovações tecnológicas representam importante aliado na construção de unidades industriais de açúcar e etanol no Brasil. De acordo com o vice- presidente de Tecnologia e Desenvolvimento da Dedini, José Luiz Olivério, as novidades aplicadas nos processos, principalmente em softwares, são as mesmas utilizadas em projetos petroquímicos, acrescidas de tecnologias específicas e de ponta para a área agrícola e georreferenciamento, que contribuem para redução de custo e tempo e ganho em produtividade.

A empresa está há 93 anos no mercado sucroenergético, oferecendo todos os serviços relacionados a atividade industrial, desde a prestação de serviços especializados de engenharia e estudos de viabilidade, projetos de usinas completas, fornecimento de peças/ equipamentos/ sistema/ plantas completas e serviços de manutenção e de peças de reposição. “Praticamente todas as usinas existentes no território nacional já utilizam algum tipo de produto da Dedini. No exterior podemos citar a US Sugar, onde a empresa participou e venceu uma concorrência internacional para o fornecimento do maior conjunto de extração de caldo de cana-de- açúcar do mundo, com capacidade de processar até 30 mil toneladas de cana dia”, explica. No mercado nacional, a Dedini já forneceu 104 usinas completas pelo regime “turn key”, e 29 plantas fornecidas no exterior.

Outra empresa que tem atuado no setor sucroenergético na construção de unidades industriais, mas com foco apenas na execução da obra, é a A. Yoshii Empreendimentos. Com sede em Londrina (PR), a empresa já construiu oito usinas na região Centro-Sul do País, sempre com a parte física da obra. Segundo o diretor de Expansão da A. Yoshii, Hiroshi Itikawa, a empresa faz toda a concretagem da obra e constrói os prédios que integram a planta. “É um trabalho em conjunto. A gente não precisa terminar a construção para o pessoal começar a montar outras estruturas. É simultâneo”, destaca. Hiroshi ressalta ainda que todo o processo de construção segue preceitos sustentáveis e sociais, com reaproveitamento de materiais na própria obra, como premoldados, e com ações de segurança no trabalho.

Etapa por etapa

 – Estudo de viabilidade técnico e econômico do negócio como um todo, com a elaboração de um plano completo de negócios;

– Escolha do local de implantação, sem despertar especulação imobiliária, e aquisição de terras;

– Estudo de impacto ambiental e obtenção de licenças de implantação, assim como de benefícios fiscais;

– Desenvolvimento do projeto completo da usina, envolvendo várias etapas de projeto e engenharia e de arquitetura, elaboração e aprovação dos projetos legais;

– Início do desenvolvimento da atividade agrícola (preparo do solo, plantação para produção da cana para replantio; etc);

– Acordo e/ou desenvolvimento de parcerias de médio e longo prazos com produtores locais de cana e futuros produtores;

– Início do projeto industrial (usualmente 1 a 2 anos após início do desenvolvimento da atividade agrícola);

– Construção da usina propriamente dita;

– Testes eletromecânicos, partida da usina e testes de desempenho;

– Operação da usina.

 Construção livre de danos ao meio ambiente

Antes de iniciar a construção ou ampliação de um empreendimento do setor sucroenergético, o empreendedor precisa saber os riscos ambientais da obra, realizar levantamentos e diagnósticos e conseguir licenças ambientais que permitam a implantação da unidade industrial. Nada é feito de obra física sem antes passar pela análise da localização e da área de influência do empreendimento, quando são realizados estudos para a implantação do complexo agrícola e industrial.

Segundo o engenheiro Tuko Nakahodo, da TN Ambiental Engenheira Química S/S Ltda., são levados em consideração disponibilidade hídrica, estradas próximas para entrega da matéria-prima na indústria e escoamento da produção, mão de obra disponível, rede de distribuição de energia elétrica, terras disponíveis para a implantação da área agrícola e apoio da população local e das autoridades públicas municipais e estaduais. “Um ponto importante em relação à área agrícola é obedecer ao Zoneamento Agroambiental Estadual e Federal, que tem como objetivo possibilitar um efetivo planejamento da cultura da cana-de- açúcar, levando em conta a sustentabilidade da produção nos principais Estados produtores da cana-de-açúcar”, destaca. No Estado de São Paulo, Tuko exemplifica que é preciso ser levado em consideração o Zoneamento Agroambiental do Estado (Resolução Conjunta SMA/SAA-006), que tem como proposta possibilitar um efetivo planejamento da cultura da cana-de-açúcar no Estado. Já em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul é necessário seguir o zoneamento estabelecido pela legislação federal, que restringe o plantio da cana-de-açúcar no bioma Amazônia, no Pantanal e na bacia do Alto Paraguai.

No caso da implantação de um complexo industrial sucroenergético, é de responsabilidade do empreendedor a conciliação do desenvolvimento econômico associado à conservação do meio ambiente, desde as etapas iniciais do planejamento e instalação até a sua efetiva operação. Esse é o início para que a empresa consiga realizar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), elaborar o Relatório de Impacto do Meio Ambiente (RIMA) e conseguir a Licença Prévia, concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, e atestando a viabilidade. Para entender melhor os passos que devem ser seguidos para conseguir a licença ambiental, posturas que devem ser adotadas e preceitos sustentáveis que podem ser seguidos, confira a entrevista do o engenheiro Tuko Nakahodo, da TN Ambiental Engenheira Química S/S Ltda.

Entrevista

Tuko Nakahodo, engenheiro da TN Ambiental Engenharia Química S/S Ltda.

 Como é feito o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de uma usina?

Trata-se de um estudo quantitativo e técnico desenvolvido por diversos especialistas – geólogos, biólogos, engenheiros, arqueólogos, sociólogos, administradores, entre outros – avaliando todas as alterações que a instalação pode causar na região. O EIA deve atender às diretrizes estabelecidas na Resolução Conama 01/86 e 237/97 e nos Termos de Referência a serem emitidos pelos órgãos ambientais dos Estados onde será instalado o empreendimento, a partir de levantamentos básicos primários e secundários, desde que não haja prejuízo na qualidade das informações. Este estudo tem por objetivo subsidiar a equipe técnica responsável pelo licenciamento ambiental, fornecendo as informações necessárias que permitam ao órgão competente a emissão da Licença Prévia que autoriza a implantação produtiva projetada pelo empreendedor.

Mas quais são as etapas?

Inicialmente, é realizada a caracterização do empreendimento e definida a Área de Influência. Depois, deverá ser elaborado o Diagnóstico Ambiental, tudo por meio de análise integrada, multi e interdisciplinar a ser realizada por profissionais especializados em processo industrial e agrícola, com amplo conhecimento do setor sucroenergético, dos meios físico, biótico e socioeconômico e cultural. Após essas etapas, será elaborado o Prognóstico Ambiental, onde são detalhados todos os impactos ambientais (fauna, flora, ar, água, solo, resíduos sólidos, efluentes domésticos, efluentes industriais, mão de obra, infraestrutura municipal e patrimônio histórico, com suas respectivas medidas mitigadoras. Por fim, são apresentados os Programas Ambientais e a Conclusão do Estudo. Concluído o EIA, é elaborado o Relatório de Impacto do Meio Ambiente (Rima), que é uma versão reduzida e simplificada do EIA, voltada ao público geral, visando explicar as alterações e as medidas mitigadoras e servindo também de base para a Audiência Pública.

Feito o Estudo, qual é o passo seguinte?

Finalizado, o EIA-RIMA é protocolado no órgão ambiental responsável pela sua análise, que pode ou não requisitar informações complementares do Estudo, que deverão ser atendidas pela consultoria contratada. O passo seguinte é a realização da Audiência Pública, que tem como finalidade a comunicação da implantação do empreendimento à sociedade. Estando tudo dentro das conformidades como a legislação exige, é emitida a Licença Prévia, que é concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade, aprovando sua localização e concepção, e atestando a sua viabilidade.

Só com a Licença Prévia já é possível iniciar as obras?

Acompanhado da Licença Prévia, o atendimento de exigências técnicas deverá ser protocolado na solicitação da Licença de Instalação. Atendidas e aprovadas todas “exigências técnicas”, é emitida a Licença de Instalação. Somente com a emissão da Licença é que a empresa poderá finalmente iniciar a sua implantação ou atividade. Com a Licença, são solicitadas novas exigências técnicas, que deverão ser protocoladas antes da solicitação da Licença de Operação do empreendimento. A de Operação é a licença que autoriza a operação do empreendimento ou atividade, cumpridas as restrições e condicionantes das licenças anteriores e resguardadas as medidas de controle ambiental do projeto. Apenas os empreendimentos que afetam a jurisdição de dois ou mais Estados são licenciados pelo Ibama, por meio da Diretoria de Licenciamento Ambiental. Aqueles que se restringem a apenas um Estado devem ser licenciados de acordo com a legislação específica desse Estado e pelo seu órgão competente.

Caso o EIA-RIMA não seja aprovado, o que acontece?

É preciso refazer o Estudo de Impacto Ambiental atendendo a todas as exigências faltantes que levaram à sua reprovação. Se for pelo fato de não ter atendido ao zoneamento estadual ou federal, o projeto deverá ser arquivado e a empresa terá que procurar uma nova área.

Quanto tempo, em média, leva para a produção desse Estudo?

A consultoria ambiental contratada para o licenciamento do novo empreendimento realiza a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental entre 90 a 120 dias. Depois é realizada sua análise pelo órgão ambiental responsável pela sua aprovação, o que demanda um prazo de, aproximadamente, 180 dias ou mais, dependendo do Estado em que se encontra o empreendimento.

Os profissionais que participam do estudo também acompanham a construção, posteriormente, para saber se tudo está sendo feito de acordo com EIA-RIMA?

Após a emissão da Licença Ambiental Prévia, o empreendimento contrata a consultoria ambiental para continuar o processo de licenciamento, onde são elaborados detalhadamente os planos e programas de controle ambiental, requisitados para a emissão da Licença Ambiental de Instalação. Após a aprovação desses planos pelo órgão ambiental, serão executados pelo empreendimento para a requisição da emissão da Licença Ambiental de Operação.

Durante a construção de usinas, que procedimentos ambientais têm sido aplicados?

É implantado o Programa de Gerenciamento de Obras, que deverá ser executado pelo empreendimento seguindo subprogramas de controle como Higiene, Segurança e Medicina do Trabalho, gerenciamento de Efluentes Domésticos, gerenciamento de Resíduos Sólidos da Construção Civil, controle de Material Particulado, Gases e Ruídos, combate à Poluição Sonora e Visual; e redução do Desconforto e Acidentes na Fase de Obras.

A TN Ambiental atua na prestação desse serviço?

Sim. É uma empresa especializada em consultoria ambiental, execução de projetos e prestação de serviços para usinas de açúcar, etanol e geração de energia. Fundada em 2001, a TN Ambiental, com sede Piracicaba (SP), viabiliza a ampliação e implantação de empreendimentos sucroenergéticos nos moldes que as leis pertinentes determinam e, principalmente, para promover a boa qualidade ambiental.

Quantas unidades já tiveram consultoria da TN Ambiental?

A TN Ambiental realizou e teve seus processos de licenciamentos aprovados referentes a 19 Relatórios Ambientais de Unidades Termoelétricas a partir da queima do bagaço da cana-de-açúcar nas caldeiras, 12 processos de licenciamentos aprovados por meio da elaboração do Relatório Ambiental Preliminar (RAP), 20 processos de Licenciamentos aprovados através de EIA-RIMA ambientais de instalação ou de ampliações de usinas de açúcar e etanol aprovados pelos órgãos dos Estados de São Paulo, Paraná, e Mato Grosso do Sul.

Autor: Fernando Dantas – Canal Bio Energia

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