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NOTÍCIA

Etanol e açúcar

Usinas de pequeno e médio portes terão mais dificuldades

 COLHEDORA--Entrevista com o economista pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Maurício Murici, analista da Safras & Mercado responsável pelo Departamento de Análise de Mercado de Açúcar e Etanol há 8 anos.

 Quais foram os principais desafios do setor em 2014? E o que podemos esperar de 2015?

 Os principais desafios foram dois grandes que permanecerão para 2015. O primeiro é o alto endividamento do setor e o segundo é a questão dos preços do açúcar – temos que considerar a real possibilidade de recuperar os preços e a amplitude dessa ação, se ela vai mesmo ocorrer e quando seria essa recuperação.

 Há solução?

 Na verdade ambos os desafios estão interligados particularmente um com o outro. A solução é o investimento em ganho de produção, isso representa a renovação dos canaviais, que permite uma rentabilidade maior por hectare de terra. As usinas já estão adotando esse procedimento desde a safra 2011/2012. Esse é o tipo de investimento mais fácil e, relativamente, mais barato.

A segunda opção de aumentar o ganho é investir em melhoramento das plantas das usinas. Para ter maior eficiência e modernização. Isso é um investimento mais caro e em longo prazo. E o retorno também é em longo prazo.

Quando se fala que o setor sucroenergético é um setor já endividado, sabe-se que o mesmo não tem acesso a crédito suficiente para investir na indústria. A usina acaba meio encurralada, se ela não tiver um investimento forte ela não tem acesso a crédito, pois já está endividada. Esse fenômeno acaba gerando uma “seleção natural”, onde só as grandes usinas – as usinas de capital multinacional – conseguem sobreviver. Assim, as pequenas acabam ficando de fora. Gradualmente, a cada safra elas vão se endividando mais até que parem as atividades que sejam compradas por outras usinas maiores. Para exemplificar, na safra passada 60 usinas pararam as suas atividades, com destaque para os do Centro-Sul. A situação do Nordeste é um pouco melhor que a do Centro-Sul devido à estabilização climática.

 Há como as pequenas usinas se recuperarem?

 A partir desse ano de 2015 fica mais difícil a recuperação. As grandes usinas tinham acesso ao capital, seja do próprio grupo, de dividendos, da matriz ou do governo, como no BNDES, e programas como o Prorenova e outros. Esses fundos do governo beneficiaram apenas as grandes usinas, que tinham garantia de capital, diferentemente das pequenas que não tinham essas garantias que o BNDES exigia. Até então, era um paradoxo.

Em 2015, a situação que já se colocava paradoxal em 2014, piorou. Com os pacotes de contenção fiscal do governo, que o novo Ministro da Fazenda está fazendo, com cortes de gastos para elevar o superávit primário muitas linhas de crédito estão sendo retiradas do mercado. O aumento da taxa Selic também vai levar a um ajuste produtivo nos juros subsidiados. Ou seja, teremos menos crédito e esse crédito estará mais caro.

Então, as usinas pequenas não vão conseguir ter garantias de capital suficiente e agora, essa linha de crédito estará mais cara e mais escassa. O que era ruim vai ficar ainda pior para os pequenos.

 Enfim, a perspectiva é que mais usinas quebrem em 2015?

 Se os preços do açúcar continuarem nos patamares atuais, posso afirmar que mais usinas irão quebrar em 2015. Mas existe uma perspectiva de recuperação.

Quais são essas perspectivas?

A recuperação é limitada, devido aos ganhos do etanol – com a mistura de 27% do anidro na gasolina – e a elevação da CIDE e do PIS/ Confins na gasolina vão levar a uma atratividade do etanol para as usinas, que vão produzir mais etanol e, assim, reduzir a oferta do açúcar – é muito cedo para falar quanto – e essa redução de oferta vai fundamentar uma recuperação dos preços em 2015. E essa recuperação irá atenuar um pouquinho a condição do setor.

 Então, podemos dizer que a volta da Cide e o aumento do etanol na gasolina irão permitir mais competitividade ao setor?

 Para o setor sim. Falava-se que o preço do etanol seria mantido estável na usina, para vender mais etanol, mas ao contrário as usinas já aumentaram os preços. Em Riberão Preto, por exemplo, uma semana antes do anúncio o etanol estava a R$1,50; no dia seguinte ao anúncio da Cide passou para R$1,60. A medida nem entrou em vigor ainda, mas no dia seguinte ao anúncio de elevação da Cide já teve um aumento de R$ 0,10, ou seja, a usina já está precificando e já quer tirar vantagem dessa medida. Já impactou positivamente os caixas das usinas.

Qual produto da cana-de-açúcar deve se destacar em comercialização e valores de negociação em 2015?

O bagaço de cana para a cogeração de energia. No ano passado ele foi bem forte, tinha muitas usinas investindo nesse setor. A situação estava tão positiva que até poda de árvore estava sendo comprada por algumas usinas para ser matéria-prima para cogeração. Então, o bagaço de cana deve ter um destaque bem interessante, ainda mais nesse momento de crise hídrica e hidrelétrica.

O setor tem expectativas de maior apoio por parte do governo federal?

 Acho pouco provável. O governo federal precisa alcançar um superávit primário de 1,36% do PIB até o final do ano que vem e, por isso, está passando a tesoura em tudo. Eventualmente, a ampliação de novos programas de crédito ou de juros subsidiados está totalmente fora da questão. 2015 deve ser um ano de redução de volume de benefícios de crédito e elevação dos juros subsidiados.

De uma conjuntura macro, temos a inflação em alta e a questão dos combustíveis. Se as entidades representativas questionarem, o governo pode alegar que “estamos beneficiando o setor com bandeiras históricas – elevamos a Cide da gasolina e autorizamos a mistura de 27% de anidro – estamos dando outra contrapartida se por um lado não há aumento de créditos”. O governo já iniciou essas questões no início do ano para justificar uma redução no volume do crédito.

 E o mercado internacional? O recente pacote lançado pela União Europeia pode influenciar o setor?

 Vai impactar inicialmente no mercado de açúcar. Grande parte do volume de dinheiro, cerca de 80%, será canalizado para investimentos nos Estados Unidos. Devido ao baixo juro europeu, que está na casa de 0,5% ao ano.

Assim, os bancos europeus terão acesso ao volume de crédito, que chega a 60 bilhões de euros ao mês, e irão investir em títulos do tesouro dos EUA, que vão render a 0,25% – cinco vezes mais que a média de rendimento na Europa.

Esse fluxo de euro será utilizado para comprar dólar, deixando a moeda americana mais cara e provocando um movimento de baixa nas commodities, entre elas o açúcar, o que vai limitar os preços do produto.

 Canal-Jornal da Bioenergia

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